quinta-feira, 29 de abril de 2010

Hardy versus Amelie Poulain

Se você não está na flor da sua juventude, provavelmente já viu o desenho da hiena Hardy, que se saía sempre com o bordão: "oh céus; oh vida; oh azar...", mesmo que a situação se apresentasse minimamente otimista. Um chatinho de galocha aquele carinha! Mas o engraçado é que você sempre reconhecia alguém daquele jeito, senão você mesmo, por vezes.
E se você gosta de cinema provavelmente já assistiu ao filme "O fabuloso destino de Amelie Poulain", em que a personagem, no papel da delicada atriz francesa Audrey Tautou (a mesma de Coco Chanel e Código da Vinci), procura, a todo custo, fazer o bem (ou pelo menos justiça), com a sua visão esperançosa do mundo. Um filme encantador e imperdível.
Às vezes eu caio em tentação de ser como o Hardy: difícil crer na minha importância no cenário em que me encontro. Será que eu faço alguma diferença no meu trabalho? Dá para crer nas pessoas? Dá para crer sobretudo em mim mesma? 0h céus, oh vida, oh azar..."
Por outro lado, a maioria das vezes deixo registrado neste blog alguns textos otimistas e alegrinhos. Você é assim tão Amelie Poulain?, já me perguntaram. A verdade é que cheguei à conclusão de que não vale a pena ser como o Hardy, muito menos escrever textos dessa forma. Ficar chorando as pitangas não vai resolver as minhas pendengas, os meus miserês reais ou imaginários.
Tento extrair do cotidiano um pouco de leveza, um pouco de meninice, de preferência imaginando uma música firin-fin-fin de fundo, para dar aquele ar meio cor-de-rosa e azul. E confesso que esse exercício tem sido uma ótima forma de expurgar o pessimismo; de afugentar o meu lado Hardy; de treinar a minha verve Amelie.
No livro "Consolações da filosofia", o didático e acessível escritor Alain de Botton nos mostra, de um jeito bem envolvente, como a filosofia pode servir de consolo, nos dias de hoje, para as mazelas e vicissitudes humanas. O escritor dá mostras de como Sócrates, Sêneca, Epicuro e alguns outros podem bem estar na pele de Amelie Poulain e nos dar conselhos de otimismo e consolo para a nossa tão frágil e angustiada vida moderna. O livro nos ajuda um pouquinho a deixarmos de lado o estilo Hardy-de-ser.
Num dia desses, assisti a um programa muito bacaninha que passou no canal GNT, chamado "Miss Penitenciária". Era um documentário que mostrava como um presídio feminino do Rio de Janeiro, que trazia um histórico de muita violência entre as mulheres, tinha criado, por meio de um concurso de beleza, um clima de auto-estima e valorização das presidiárias, tudo por iniciativa do diretor da casa de detenção. Foi muito "amelienesco" assistir àquelas meninas tão sofridas se embelezando todas para o evento tão especial, com direito a júri, maquiador, costureiro, banda de música e repórteres.
Mas, voltando à vaca fria, o fato é que tenho me esforçado para ter uma visão do mundo mais up, menos dramática, menos pessimista. Dependo da convivência dos amigos, do apoio do companheiro, da fanfarronice dos colegas (ou mesmo dos seus desabafos e inquietações), dos livros (filosóficos ou literários), que me aconchegam o coração, dos conselhos da analista, do momento catártico do cinema, das fugidas para o meio do mato. Ou seja: nada se constrói na flauta. É preciso não só a flauta mas uma banda inteira para fortalecer a cuca e conseguir força na perucosa. Então: dá-lhe, Amelie!