sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

trabalho de formiguinha

Ah, o final de ano... as festanças, as comemorações...
Saracuteando pelas ruas de São Paulo, não pude deixar de ouvir semanas atrás duas moçoilas trocando figurinhas sobre o vestido de formatura que iriam estrear. Estavam empolgadas as meninas, discutindo o modelito branco para a festa. Eu sorri com a excitação delas e, naquele momento, viajei no tempo e retornei há uns 12 anos. Na época, eu dava aulas de gramática e redação num curso supletivo noturno. De segunda a sexta-feira, tinha hora marcada com um pessoal para lá de batalhador: cobradores de ônibus, empregadas domésticas, trabalhadores de fábrica, vendedores ambulantes.... Todos tentavam concluir o colegial. Gente que, por necessidade, havia desistido de estudar e agora retornava com a esperança de um futuro melhor. Eu me lembro que, quando chegou o momento de planejarem a colação de grau, fui surpreendida com um convite para ser uma das paraninfas, juntamente com o professor de matemática. “Nossa Senhora!”, disparei, “é claro que eu aceito tamanha honra”.
E aí, no último mês letivo, quase todo o finalzinho de aula era dedicado à organização do grande dia. Numa noite, discutimos a música que seria cantada no final da solenidade. Eu tentava convencê-los a desistir da canção “coração de estudante”, que, segundo se sabia, era tocada todos os anos desde a fundação da escola. Sugeri então “tempos modernos”, do Lulu Santos, com a sua letra contagiante e cheia de esperança:
“eu vejo um novo começo de era:
de gente fina, elegante e sincera,
com habilidade pra dizer mais sim do que não”.

Eles adoraram e passamos a ensaiá-la a partir de então.
Quando chegou o dia da formatura, encontrei-os de fato muito elegantes. Eram, em geral, bem mais velhos que eu, mas naquele momento mostravam-se absolutamente joviais. Ao final da cerimônia, cantaram a todo pulmão os versos de Lulu Santos. Muitos deles choraram. Era um vitória para eles. E era uma vitória para mim também: dar nó em pingo d’água para espremer 3 anos de estudo em um único ano! A verdade é que eu estava inserida em um contexto de ensino para o qual havia muito questionamento a se fazer, mas me esforçava (e sofria, e suava...) para ensinar de verdade aqueles “meninos”. Eu estava comprometida até o pescoço com aquela turma e, por isso, também chorei.
Um fato curioso que aconteceu nesse dia foi um vereador de São Paulo que apareceu por lá para “prestigiar” a turma. Aí fiquei sabendo pela diretora da escola que ele havia se convidado e queria dar “uma palavrinha” para a turma. Fiquei injuriada quando a diretora (que devia estar vendo alguma vantagem nisso), permitiu que ele falasse. Em determinado trecho do discurso ele disse o seguinte: “quando você se matrícula (isso mesmo, com acento...) num curso supletivo, seu desejo é crescer na vida....” e por aí foi, assassinando a Língua Portuguesa. Aí eu chorei mais ainda...

Bem, fatos escalafobéticos à parte, hoje, lembrando, me dou conta de como é precioso fazer um trabalho em que você encontre significado. E não estou dizendo que para isso a gente precise salvar o mundo todo o dia, ser um bambambãm numa superempresa ou se igualar ao Francisco Cembranelli.
Encontrar sentido, mesmo nos trabalhos considerados menos complexos, torna a gente muito mais satisfeitos com a gente mesmo. Um exemplo disso foi um artigo sobre o trabalho que eu li, dia desses, na revista Vida Simples. Dizia determinado trecho:
“É preciso que o trabalho tenha sentido. E todo trabalho tem um, ou vários. Algumas pessoas o encontram na própria atividade que desempenham - como o balconista que adora lidar com o público, sente satisfação em ser gentil. Outras, na missão da empresa ou organização a que pertencem (tem gente que faz trabalhos burocráticos para entidades de proteção ambiental e se sente realizada) (...)Há muitos estudos científicos que relacionam o trabalho significativo com satisfação no trabalho, felicidade e até melhora na saúde".

Conheço outros também que tiram leite de pedra de trabalhos por vezes para lá de enroscados. É o caso do Lauro, meu colega aqui do TRE, que, muito perto de se aposentar, não se dá por rogado e escarafuncha tudo quanto é trabalho espinhoso e descobre nisso prazer: investiga, vai atrás, dá sugestões.
Ele tb procura ir além dentro daquilo que faz.

E eu acredito veementemente que o trabalho precisa ser prazeroso não só quando se atinge um resultado, mas durante o processo todo. Como no exemplo da minha turma de supletivo. Foi emocionante no final, claro, mas foi muito, muito mais instigante e enriquecedor durante toda a jornada.

É claro que, para que o percurso seja menos arenoso, muitas vezes dependemos também de um líder (de um líder, veja bem, e não de um simples chefe-cacique). E isso significa, basicamente, duas coisas: que esse líder nos diga o que espera que façamos e nos dê recursos necessários para fazê-lo. Se você que lê este post está inserido num ambiente de trabalho onde isso exista ou mesmo se você é um líder com essa envergadura moral, entonces já é meio caminho andado.

Eu poderia citar muita gente que eu conheço que esmerilha na arte de fazer coisas bem feitas. Gente que eu admiro e a quem dedico esse texto. A todos vocês: fotógrafos, psicólogos, cabeleireiros, eletricistas, empresários, educadores, advogados, chefes de cartório, chefes de cozinha, secretárias, gente de informática, técnicos e analistas do judiciário, enfim, todos aqueles que como escreveu Olavo Bilac, “trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua”, mas que procura reinventar o trabalho e torná-lo cheio de sentido.