terça-feira, 9 de novembro de 2010

clog no blog

Dia desses estava eu passando em frente a uma loja e me deparei com um sapato que me chamou a atenção na vitrine. Tratava-se de um tamanco que me remeteu aos idos anos 70, porque me lembro de ter visto a minha mãe usando um daqueles nessa época. Chegando em casa, fui pesquisar um pouco sobre essa moda. Feitos, à princípio, de madeira, com bico pontudo virado para cima, ficaram conhecidos como tamancos holandeses, mas na verdade foram usados por quase todos os camponeses europeus desde o séc. XVIII. Na década de 70, a onda desses tamancos invadiu o mundo dos hippies e fotos da época mostram alguns cabeludos desfilando o tamanco. Vi uma foto do grupo musical ABBA, em que um dos integrantes (um daqueles moços com cabelos escorridos) pendia do pé um modelo desses, combinando com a sua boca de sino. Agora, no Brasil, os tamancos voltam com o nome em inglês: clog.
Fiquei pensando em como é engraçado esse vai-e-vem da moda ou de como ela começa e depois toma um rumo todo próprio. O livro 1808, que conta a história da fuga da família real portuguesa para o Brasil, descreve como foi o momento em que a cambada toda chegou por aqui e de como fomos influenciados pela “moda” das portuguesas: : “Carlota, as filhas princesas e outras damas da corte tinham desembarcado com as cabeças raspadas ou cabelos curtos, protegidas por turbantes, devido à infestação de piolhos que havia assolado os navios durante a viagem. Tobias Monteiro conta que, ao ver as princesas assim cobertas, as mulheres do Rio de Janeiro tiveram uma reação surpreendente. Acharam que aquela seria a última moda na Europa. Dentro de pouco tempo, quase todas elas passaram a cortar os cabelos e a usar turbantes para imitar as nobres portuguesas”.
Como se vê, assim nasceu uma moda que até hoje volta e meia está pelas ruas. Quanto a mim, também já usei lenços, mas foi pelo mesmo motivo do das portuguesas. Peguei piolhos na escola e minha mãe, aceitando a sugestão de minha tia-avó, fez um preparado de pinga com pimenta do reino para eliminar os invasores. Eu ficava no quintal de casa, tomando sol na moleira, com aquele coquetel bombástico e um lenço colorido enrolado na cabeça. Acho que os piolhos morriam não por causa das propriedades medicinais da pinga e da pimenta do reino, mas pela caatinga insuportável daquela mistureba insólita.
Houve um episódio ainda em que pude verificar como fui influenciada não pelo uso de algo, mas sim por seu desuso. Eu estava viajando numas férias por alguns albergues da juventude, nos anos 90, e, quando cheguei em Alcobaça, no sul da Bahia, por lá fiquei durante uns 15 dias. Fiz amizade com alguns mineiros, cariocas, os próprios baianos, além dos conterrâneos paulistas, esses últimos os únicos que, como eu, gostavam de viajar sozinhos. Quando a gente ia se arrumar à noite para sair, percebi que as colegas não colocavam sandálias ou chinelos, passando a imitar os locais. Iam descalças para o vilarejo onde estavam os restaurantes ou lanchonetes. Fiquei observando aquele desprendimento e, tomada pelo sentimento da maria-vai-com-as-outras, no segundo dia já andava descalça por todos os cantos. É claro que, no começo, perdia a tampa do dedão nas pedras e voltava meio que mancando para casa. Depois peguei as manhas, passando a andar com os dedos meio que levantados, à moda do sapato do Aladim, de modo que os poupava de choques iminentes. À princípio qualquer areiazinha os machucava, mas com o passar do tempo o pé foi criando, digamos assim, uma camada natural de proteção, de forma que, no final da férias, estavam mais parecidos com o pé do jacaré. Chegava todas as noites da rua, lavava-os no tanque do albergue e ia dormir. No outro dia, lá estava eu caminhando e cantando livremente. Quando voltei para São Paulo, confesso que foi duro me acostumar novamente ao uso de sapatos, principalmente os fechados.
Já na década de 80, uma das épocas mais pródigas das combinações ridículas, eu me lembro que enchi as paciências de minha mãe para que ela comprasse para mim não um par de sapatos, mas uma jaqueta. E detalhe: era prateada. Não é preciso dizer que se tratava da coisa mais espalhafatosa desse mundo, mas eu desfilava aquela desgraceira para cima e para baixo toda felizona. Para completar o visual, como minha mãe se negou a me dar uma calça de couro, comprei uma de napa, preta, estilo Madona-dos-trópicos. Eu era super magricela na época, de modo que parecia uma minhoca roqueira meio fosforescente com aquela jaqueta. Ah... as ciladas da moda...
É muito engraçado observar esse movimento da moda: as coisas ridículas que já usamos; as pessoas em quem nos inspiramos para nos sentir pertencentes a um grupo (a adolescência é um verdadeiro inferno nesse sentido!); as coisas das quais desencanamos.
E, quando eu parecia totalmente infensa a qualquer influência, ao passar novamente pela loja, me vi entrando e pedindo para experimentar o tal do clog. Olhei no espelho e lá estava eu: me imaginei como uma camponesa europeia, arrancando as batatas do campo com o meu tamanco cor de uva... ou então uma hippie com a cabeleira sebenta fazendo um bongô ou uma pulseirinha... Puxa...legalzinho esse clog, heim....
Neste momento que escrevo, olho agora para eles e constato orgulhosa que estou usando mais de 3 séculos de história nos pés.
E constato também que essa foi a desculpa mais esfarrapada que eu já encontrei na vida para comprar um sapatinho novo....

domingo, 24 de outubro de 2010

Mente quieta, espinha ereta e o coração tranquilo...

Depois de tantas “emoções eleitorísticas” aqui no TRE, volto a visitar o meu velho blog , que já devia estar carentão.
Em meio à correria dos últimos tempos, não tive tempo de relatar minha mais nova experiência, desta vez meditabunda, ocorrida em setembro. Foi numa tarde gélida e de muita garoa em São Paulo. Minha amiga Vera e eu decidimos visitar o Instituto Nyingma, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, um centro que trouxe para o Brasil os ensinamentos do budismo Tibetano, com práticas de meditação e estudos budistas. Fomos em busca da meditação para iniciantes.
Chegamos no começo da tarde, numa casa belíssima, muito espaçosa, lembrando esses casarões do interior. Um lugar paradisíaco incrustado no meio da cidade. Chegamos com a cara, com a coragem, e com os cambitos congelados. Assim que entramos, fomos falar com a moça da recepção, de quem tivemos que ler os lábios, tão baixinho era o modo como falava. Baixei o meu volume interior e respondi meio que sussurrando também.
Na sala de espera, havia os seguintes dizeres: “Pratique a fala essencial”, que, para bom entendedor se traduz como: “feche a matraca”. Veruska e eu fomos perscrutar a biblioteca na ampla sala: livros sobre o Tibete , sobre o Budismo, sobre psicologia, entre outros assuntos. Só de sentir o perfume bom do incenso e ler a capa dos livros, já fui me sentindo mais elevada (o que não é o poder da sugestão...).
Depois de algum tempo, chegou a guru da meditação. Confesso que fiquei meio decepcionada com a indumentária da cidadã. Não lembrava em nada aquela vestimenta cheia de panos coloridos que a gente vê em filmes. Trajada com uma roupa comum, conduziu o grupo para a parte superior da casa. Tiramos o sapato e adentramos o local. Tomei um choque: um carpete cor de carne, para lá de vívido, e paredes azul-marinho compunham o ambiente. Parecia a casa da luz vermelha, onde moçoilas não muito comportadas se instalam.... (ah, as imagens pré-concebidas dos romances do Jorge Amado...)
Mas o fato é que as cores eram tão fortes que deixavam os seus sentidos mais alerta e obviamente era essa a intenção (diferente dos matizes esmaecidos que eu tinha imaginado para embalar a minha prática.... ou o meu sono).
A nossa mestra, sem muitas delongas e salamaleques, foi logo explicando a postura da meditação: faça assim com as pernas, faça assado com as mãos, fique com as costas retas, respire profundamente....
Demos uma última ajeitada nas costas e, quando eu imaginava que a dona muié fosse contar uma historinha sobre os monges do Tibete, qual o quê! Foi pau na jaca na meditação, direto e reto. Eu nem acreditei. Pensei com os meus botões: “Mas eu sou iniciante, e já começa assim? Não vou conseguir ficar nessa posição a tarde inteira nem a pau, Juvenal”. Comecei a sentir coceira no nariz; o pé já havia esquentado um pouco, mas ainda formigava; as costas começaram a ficar pesadas, parecia que tinham colocado uma bigorna nela. Foi quando tive um ímpeto de simular um desmaio, para poder sair com uma certa dignidade do local. Um monte de pensamento congestionava a minha cabeça: “eu não deveria ter vindo; podia estar em casa agora lendo um livrinho; que tarde mais desgraçada de fria; a minha perna está doendo; ai que vontade de sair correndo. Acho que vou cantar mentalmente uma musiquinha para passar o tempo... tã nã nã nã nã....Ô, meu santinho, onde eu vim amarrar a minha égua?”
Mas... o tempo foi passando, passando....e passando. Sem ter o que fazer, comecei então a reparar em alguns passarinhos do lado de fora (sim, descobri que os passarinhos tb saracuteiam em dias friorentos); puxa, mas que fragrância gostosa tinha também aquele incenso da sala, parecia de rosas, sei lá, o mesmo cheiro do jardim de minha tia-avó; lembranças da infância dançaram por alguns momentos – nem sei quantos - em minha memória; consegui sentir a cadência da respiração dos outros que estavam na sala; o ambiente já estava mais quentinho, mais aconchegante. A aflição foi se esvaindo. Aquietei-me, por fim. Fizemos algumas paradas durante a tarde, só para esticar as canelas, e logo retornávamos para a nossa posição de ioguine.
Saí de lá com uma sensação muito diferente: parecia que tinha acordado de um longo sono e que tinha tido um sonho bom.
Foi uma experiência intensa, a princípio bastante difícil, mas agora eu me sentia surpreendentemente leve. Eu e Veruska nem falamos muito na volta, porque estávamos ainda inebriadas por aquela sensação “paz e amor”, mora? Quem diria que ficar quietinho poderia dar aquele barato todo...
Chegando em casa, me lembrei de um livro que eu tinha lido há pouco tempo: “Devagar”, de Carl Honoré, em que o autor prega o combate ao culto da velocidade, desde o ato de se alimentar, criar filhos, trabalhar. No capítulo Mens Sana in Corpore Sano, ele diz: “ Como uma abelha num jardim, o cérebro humano naturalmente pula de um pensamento para o seguinte. O que predomina, em vez da reflexão, é a reação (...) A meditação é uma forma de treinar a mente a relaxar. Ela diminui a pressão arterial e gera maior quantidade das ondas alfa e teta no cérebro. Essa concentração mental afeta a amígdala, a região do cérebro associada ao medo, à ansiedade e à surpresa, tornando seus praticantes mais tranquilos”.
Isso explicava aquela sensação boa do momento.
Obviamente ainda precisarei de muito chão se quiser as benesses dessa prática. Mas, de qualquer forma, é muito bom saber que, sentando-se e tentando ficar quietinho por algum tempo, é possível entrar numa sintonia de equilíbrio e tranquilidade. Nesses tempos conturbados, quando nem sempre podemos contar com as pessoas, pelo menos podemos buscar paz em algum cantinho recôndito, dentro de nós mesmos.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Um dia de fúria

Dia desses, por motivos que nem valem a pena ser citados, acabei por brigar com um bocado de gente que trabalha comigo. Eu fiquei tão colérica que sequer me lembro do que disse no momento. Mas tenho a ligeira impressão de que as pessoas se assustaram comigo, como se estivessem vendo a continuação do filme “Carrie, a estranha”.
E, depois que os meus olhos voltaram a ficar normais (sim, porque deveriam estar esbugalhados), meu coração desacelerou e eu parei de cuspir e babar , sumi de cena, como o David Banner (personagem de “o incrível Hulk”) que cata os resquícios da sua camisa nova e sai como um raio por entre a moita. Cena pitoresca, se fosse apenas mais um episódio do famoso seriado de Tv. Mas não era...

Depois de dias caraminholando sobre esse fato, revisitei o livro “Pequeno tratado das grandes virtudes”. E andei lendo sobre 3 virtudes em especial: a polidez, a tolerância e a doçura.
Não fiquei muito satisfeita com a polidez, posto que se trata, segundo o autor, apenas de virtude “puramente formal, virtude de etiqueta;a aparência de uma virtude". Tudo bem, tem lá o seu valor, mas é meio chumbreguinha, venhamos e convenhamos. Não é isso o que eu buscava.
Como os três porquinhos, deixei a casa de palha e fui procurar abrigo na de madeira, desta vez o da tolerância. Mas também não obtive guarida. A palavra “tolerância” carrega em si um peso, sei lá. Como se quem a praticasse fosse superior. Quando você tolera alguém, é como se dissesse: “eu te aturo, seu traste!”. E o livro confirma isso quando diz: “tolerar não é o máximo, é um mínimo. Se a palavra tolerância se impôs, é sem dúvida, porque de amor ou de respeito todos se sentem muito pouco capazes”. Não, tolerância também não era o que eu buscava...
Fui ter então com a doçura. Lá encontrei o seguinte: “a doçura é força em estado de paz, cheia de paciência e mansuetude.A doçura submete-se ao real, à vida, ao devir: virtude de flexibilidade, de paciência, de adaptabilidade”. Bonito, não... quase divino. Faz a gente pensar... e sonhar. Sonhar em ter uma doçura espontânea; uma "bondade natural" de que apenas poucos são realmente capazes. Como somos demasiadamente humanos, podemos talvez nos refugiar na gentileza, que não está arrolada no livro como virtude, mas que não deixa de ser uma baita qualidade. Quantas discussões, quantas explosões poderiam ser evitadas se, na incapacidade de sermos doces, pudéssemos ao menos ser gentis...
E como não posso fugir como o Hulk do meu "dia de fúria", resta-me encarar a realidade e os que me cercam na doçura dos versos de Drummond:
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

tempinho bão

Não me lembro, em toda a minha infância, de ter tido muitos brinquedos. Aliás, eram outros tempos e nenhuma criança, naquela época, se refestelava em fartura e mimos. Quando eu tinha 7 anos, entretanto, acho que caiu um raio na cabeça de minha mãe, que resolveu ser mais mão aberta naquele Natal. Ela mandou o vizinho, um artesão para lá de talentoso, construir uma casa de bonecas feita de madeira. De dois andares (e ainda com um terraço onde estavam instalados varais e uma casinha de cachorro em miniatura), o sobradão permitia que a gente manipulasse o que estava dentro dos cômodos da casa, como aquelas que a gente vê em filmes. Caprichoso, o até então desconhecido artista ainda confeccionou alguns móveis para o quarto e sala (tinha até uma televisãozinha, onde ele recortou um pedaço de gibi e colou na telinha, como se estivesse passando um desenho animado). A mulher desse talento, uma senhorinha muito prendada, fez cortininhas de crochê para todas as janelas. A casa foi pintada de azul e as janelas, de branco. Desacostumada, no Natal, com mesuras e salamaleques próprios da época, foi com estupefação e quase um torpor que eu vi aquele bitelo chegar porta adentro. Na sua sanha natalina, minha mãe ainda comprou, para meu irmão, um mini jardim zoológico, um brinquedão composto de vários cercados onde toda a sorte de animais em miniatura se aboletava. E, por dias, brincamos sorridentes, empanturrados na nossa felicidade e regozijo. Nessa época meu irmão e eu éramos um verdadeiro flagelo. Empreendíamos brigas homéricas um com o outro e, só para citar, numa das vezes atracamo-nos com tal intensidade, que a moça que cuidava da gente, para nos separar, usou o cabo da vassoura para que nos soltássemos. Invariavelmente, toda brincadeira acabava em bofetões, mas, como tínhamos memória de passarinho, logo começávamos tudo de novo. Acostumados com essa dinâmica de rinha, nos vimos logo enfadados brincando cada qual com o seu brinquedo. Lançávamos olhos compridos para o brinquedo do outro e, por fim, rendidos pela curiosidade, nos esquecemos dos protocolos de brinquedo de menino/menina. Decidimos subverter tudo: tiramos os móveis da casa e os colocamos no zoológico; pegamos cada um dos animais e os acomodamos na casa. E daquele dia em diante, sempre brincando e brigando, fizemos daquele trambolho um objeto voador cujo capitão era o macaco.
Bem, não é preciso dizer que a casa de madeira, em menos de seis meses, já tinha se desmilinguido. Alguns animais do zoo, largados pelo quintal, foram roídos pelo cachorro, sobrando só cotocos disformes. Os móveis da nossa pequena mansão, ao virarem parte da “nave espacial”, foram também para o beleléu.
E minha mãe(ah... minha mãe), olhava para as suas crias tão sem modos e certamente pensava “pérolas aos porcos”, e nunca mais nos deu mais nada...
Mas, quem se importava? Nós tínhamos nossos golpes aprendidos na série “Ultraseven” para dar um no outro, um cão pulguento e roedor, um montão de idéias na cachola e, de quebra, um modelito supimpa para saracutear de vez em quando: “japona” e "conga” nos pés.
Tempinho bão.... Eu tenho saudade. E você?

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Vai um abraço aí?

Dia desses fui assistir a um filme pará lá de interessante: “O abraço corporativo”. Trata-se de um documentário onde um pseudoconsultor de RH (na verdade um ator) divulga o “abraço corporativo”, movimento segundo o qual é possível combater a inércia dos tempos modernos com um abraçozinho no seu colega, ajudando a criar um ambiente mais amistoso (e produtivo) dentro das empresas. Esse personagem fictício, na pele de Ary Itnem (“mentira”, se vc ler o nome de trás para a frente), dizia ser o
porta-voz da “Confraria Britânica do Abraço Corporativo”. E o consultor caiu no gosto da imprensa: saiu em jornais, revistas, portais da Internet e programas de TV. Mas tudo não passava de um engodo. E o diretor do filme, o jornalista Ricardo Kauffman, que documentou cada passo do charlatão criado por ele , desnudou a fragilidade da nossa imprensa, que promoveu o embusteiro, sem nunca questionar de onde viera a criatura.
Pois é, pessoal, eu fiquei com esse filme na cachola e não pude deixar de compará-lo com um episódio que aconteceu aqui no TRE.
Eu trabalhava em Recursos Humanos e fui sorteada para participar de
um curso de técnicas de comunicação juntamente com um pessoal de outra área que havia solicitado a contratação do curso. Sobrara uma vaga e eu, que nunca ganhara nem garrafa térmica em rifa de quermesse, fiquei toda alegrinha com o meu prêmio.
Na semana seguinte, lá fui eu para o curso, num prédio chique na avenida Paulista.
E o negócio começou estranho... O professor, num terno ajambradíssimo, sabendo que éramos todos funcionários públicos, já foi nos tratando como barnabés. Falou das empresas que eram suas clientes (todas muito pomposas) e começou uma aula mais chumbrega que eu já vira: o compêndio de todas as frases feitas e clichês do Lair Ribeiro. E terminou a aula colocando uma musiquinha para “amolecer nossos coraçõezinhos”, numa tentativa de dinâmica de grupo que me fez lembrar algum programa dos Alcoólatras Anônimos. No primeiro dia todo o mundo ficou meio quieto, sem jeito, sem entender no que aquilo ia dar. O grupo que fazia o curso era bem bacana, com boa formação cultural, que obviamente estava se sentindo ridículo com aquela esparrela. Pois bem: no segundo dia não aguentamos e explicamos que o curso não vinha ao encontro do que buscávamos; que pretendíamos outros tipos de técnicas para o nosso trabalho. Em resumo era o seguinte: “olha, santa, tira o seu cavalinho da chuva que essa aulinha mequetrefe não está colando!”
E daí por diante foi um imbróglio que nem vale a pena ser contado. Só posso dizer que o instrutor teve que ser substituído e as tais “técnicas de comunicação” ficaram restritas a algumas filmagens da gente em frente a um púlpito, simulando uma apresentação em público.
Não pude deixar de comparar o Ary Itnem com aquele palestrante fajuto, que também vendia um pacote com ideias para lá de inconsistentes e tontas. Por causa de uma super estrutura num prédio em São Paulo, com coffee breaks regados a acepipes diversos e suquinhos naturais, tudo tinha uma aparência altamente vendável. E o mais engraçado é que houve um momento em que o sujeito também mandou que a gente se abraçasse, como se nos dissesse: o que falta em vocês é Jesus no coração, minha gente...
É... e minha “sorte grande” virou esse mico gigantesco...
Muito tempo depois desse fato, vi, um dia, um anúncio de um curso para não atores na escola de teatro Macunaíma. Matriculei-me e fui ver no que ia dar. E foi uma das experiências mais ricas que tive. Lá, sem a menor pretensão, fazendo micagens e rindo para caramba, na inventividade de situações insólitas, eu me vi mais próxima das “técnicas de comunicação” do que qualquer outra coisa que já fizera. Não havia suquinhos, nem salamaleques, nem prédio chique, nem gente importante.
De vez em quando até rolava um abraço: um abraço de mentirinha, dependendo da cena que o grupo montava. Um abraço muito mais espontâneo, brincante e, por isso mesmo, mais verdadeiro.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Morte morrida

Dia desses uma amiga aqui do trabalho, a Suzy, veio me contar sobre a morte de uma parente próxima. Ela estava bastante abalada, pois se tratava de uma pessoa muito querida e ainda bastante moça, que um dia eu cheguei a conhecer. Foi numa festa de aniversário, me lembro bem: do tipo mignonzinho, risonha, os olhos verdes grandes destacando-se na pele branquinha, num rosto de boneca, aparentando menos que sua idade, uns 30 anos. Já nessa época eu ficara sabendo da doença sorrateira e de sua luta diária. Segundo a Suzy, ela partiu numa tarde de domingo, deixando no céu um enorme arco-íris que se formou no improvável firmamento de São Paulo.
Fiquei por vários dias pensando nisso, inquieta, arredia...A morte. Alguém, afinal, está preparado para enfrentá-la? Eu sempre a temi, de verdade, pois acredito ser um erro encará-la de forma ingênua ou complacente. E tenho procurado, desde sempre, não pensar nela, o que é uma infantilidade da minha parte. Mas refletir sobre a finitude das coisas é inevitável. Vejo, por exemplo, o meu cachorrinho Joselito, que já está ficando véinho: mais lento, mais dodói para tudo, cheio de manias. Sou obrigada a reconhecer os primeiros sinais de sua decrepitude.
Lembrei-me então que, dia desses, vi um site na internet onde, com base em algumas informações (questionáveis???), você conseguia a provável data de sua morte (www.deathclock.com). Aí eu pensei com os meus botões (mal-pregados, always...): e será o benedito que essa informação me torna mais sábia ou mais serena para a hora em que eu bater com as botinas?
Não, provavelmente não.

Fui, então, em busca de um livro que está na minha estante, mas que eu nunca tive coragem de ler: “O livro tibetano do viver e do morrer”, que é, na verdade, uma edição bem mais azeitada do original “O livro tibetano dos mortos”. Logo de cara, já encontrei os seguintes dizeres do mestre tibetano Sogyal Rimpoche: “Quando vim pela primeira vez ao Ocidente, fiquei chocado com o contraste entre as atitudes em relação à morte (...) Apesar de todas as suas conquistas tecnológicas, a sociedade ocidental moderna não tem uma compreensão real da morte (...) Aprendi que as pessoas hoje são ensinadas a negar a morte e a crer que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Isso quer dizer que a maior parte do mundo vive negando-a ou aterrorizada por ela. Até falar da morte é considerado mórbido, e muitos acham que fazer uma simples menção a ela pode atraí-la sobre si”. E diz, um pouco mais à frente: “Para começar a tirar da morte seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar a morte da sua estranheza, vamos frequentá-la, acostumarmo-nos a ela”.

O livro é um tijolão de grossura e eu ainda estou na metade. Você tem que lê-lo calmamente, sorvendo cada ensinamento, prestando atenção, questionando-se o tempo todo, pois ele nos lembra a cada momento de nossa impermanência, de nossa transitoriedade. Diz que somos apenas viajantes (não é maneiro pensar na gente com um mochilinha nas costas?) e que, se estivermos preparados, há uma enorme esperança, tanto na vida quanto na morte.
E, quem sabe, ainda poderemos ser agraciados, no final das contas, com um arco-íris no céu...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

mulher direita

Faz tempo que eu não envio nada para o meu blog. Tempos conturbados, na verdade. Difícil escrever amenidades, pessoal. Estamos em greve no TRE/SP: salário descontado, faltas injustificadas, ameaças da alta cúpula. Como filosofava a cantora Kátia “não está sendo fácil”.
Dia desses, numa das assembleias (como diria o Eli: eu quero o meu acento de volta!), um dos rapazes tomou a palavra. Disse que achava um absurdo os grevistas tentarem convencer, por meio de "palavras bruscas", aqueles que não participavam. Ele disse também que, mais importante que as nossas reivindicações, eram a amizade e o bom relacionamento com os colegas.
Não pude deixar de me lembrar de quando eu era criança. Minha mãe era professora e, numa das primeiras greves do professorado paulista, meu pai, na sua lógica tirada de algum manual do machista do século, impediu-a de participar do movimento. Disse que greve “não era coisa de mulher direita”. E, a partir daquele momento, ela se transformou numa pelega que passou a comer o pão que o diabo amassou: chegava do trabalho abatida, fazia a comida a duras penas e, muitas vezes, eu a flagrava chorando no banheiro. As colegas dela, “doces” professoras com a “caminho suave” debaixo do braço, viraram leoas: faziam piquete, diziam-lhe impropérios e, mesmo depois que a greve acabou, muitas delas só voltaram a dirigir-lhe a palavra séculos mais tarde. E minha pobre mãezinha, desnecessariamente dividida entre a profissão e a vida conjugal, amargou um dos seus momentos mais difíceis. Somente anos mais tarde, já amadurecida e com mais força na peruca, mandou a opinião do meu pai às favas e participou de outros movimentos, carregando faixas nas passeatas.

Pois é, caros amigos, relato esse causo porque acredito que tomar uma decisão de greve (participando ou não) é dura e mostra que o buraco é mais embaixo. Não dá para achar, como o sujeito citado lá no começo do texto, que os grevistas vão dar as mãos aos não grevistas e cantar, pacificamente, “amigos para sempre”. Se até as professorinhas lindinhas ficavam arretadas e sentavam a pua, por que achar, ingenuamente, que para nós, do judiciário, a coisa vai se dar de forma oposta, na mais plena harmonia, com elfos e ninfas cobrindo nosso caminho com flores do campo? Ou é muita ingenuidade ou é mesmo muita tchonguice, faça-me o favor!

Bem, vou parando por aqui porque amanhã devo me preparar para mais um dia de aperreio. E vou aproveitar e ligar para o meu pai, informando-lhe que eu tb não sou uma mulher direita. Talvez uma mulher de esquerda, pai, sinto muito...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Hardy versus Amelie Poulain

Se você não está na flor da sua juventude, provavelmente já viu o desenho da hiena Hardy, que se saía sempre com o bordão: "oh céus; oh vida; oh azar...", mesmo que a situação se apresentasse minimamente otimista. Um chatinho de galocha aquele carinha! Mas o engraçado é que você sempre reconhecia alguém daquele jeito, senão você mesmo, por vezes.
E se você gosta de cinema provavelmente já assistiu ao filme "O fabuloso destino de Amelie Poulain", em que a personagem, no papel da delicada atriz francesa Audrey Tautou (a mesma de Coco Chanel e Código da Vinci), procura, a todo custo, fazer o bem (ou pelo menos justiça), com a sua visão esperançosa do mundo. Um filme encantador e imperdível.
Às vezes eu caio em tentação de ser como o Hardy: difícil crer na minha importância no cenário em que me encontro. Será que eu faço alguma diferença no meu trabalho? Dá para crer nas pessoas? Dá para crer sobretudo em mim mesma? 0h céus, oh vida, oh azar..."
Por outro lado, a maioria das vezes deixo registrado neste blog alguns textos otimistas e alegrinhos. Você é assim tão Amelie Poulain?, já me perguntaram. A verdade é que cheguei à conclusão de que não vale a pena ser como o Hardy, muito menos escrever textos dessa forma. Ficar chorando as pitangas não vai resolver as minhas pendengas, os meus miserês reais ou imaginários.
Tento extrair do cotidiano um pouco de leveza, um pouco de meninice, de preferência imaginando uma música firin-fin-fin de fundo, para dar aquele ar meio cor-de-rosa e azul. E confesso que esse exercício tem sido uma ótima forma de expurgar o pessimismo; de afugentar o meu lado Hardy; de treinar a minha verve Amelie.
No livro "Consolações da filosofia", o didático e acessível escritor Alain de Botton nos mostra, de um jeito bem envolvente, como a filosofia pode servir de consolo, nos dias de hoje, para as mazelas e vicissitudes humanas. O escritor dá mostras de como Sócrates, Sêneca, Epicuro e alguns outros podem bem estar na pele de Amelie Poulain e nos dar conselhos de otimismo e consolo para a nossa tão frágil e angustiada vida moderna. O livro nos ajuda um pouquinho a deixarmos de lado o estilo Hardy-de-ser.
Num dia desses, assisti a um programa muito bacaninha que passou no canal GNT, chamado "Miss Penitenciária". Era um documentário que mostrava como um presídio feminino do Rio de Janeiro, que trazia um histórico de muita violência entre as mulheres, tinha criado, por meio de um concurso de beleza, um clima de auto-estima e valorização das presidiárias, tudo por iniciativa do diretor da casa de detenção. Foi muito "amelienesco" assistir àquelas meninas tão sofridas se embelezando todas para o evento tão especial, com direito a júri, maquiador, costureiro, banda de música e repórteres.
Mas, voltando à vaca fria, o fato é que tenho me esforçado para ter uma visão do mundo mais up, menos dramática, menos pessimista. Dependo da convivência dos amigos, do apoio do companheiro, da fanfarronice dos colegas (ou mesmo dos seus desabafos e inquietações), dos livros (filosóficos ou literários), que me aconchegam o coração, dos conselhos da analista, do momento catártico do cinema, das fugidas para o meio do mato. Ou seja: nada se constrói na flauta. É preciso não só a flauta mas uma banda inteira para fortalecer a cuca e conseguir força na perucosa. Então: dá-lhe, Amelie!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Por onde andou a margarida?

Pois é, caríssimos, eu sei que vocês não perguntaram por onde andou a margarida, mas eu vou responder assim mesmo por que é que meu blog não foi mais alimentado (o blog parece um bichinho, né...) A verdade, amigos, é que o desgraçado do blog não me permitiu mais acesso a ele. Eu tirei férias e, quando voltei, apesar de todas as tentativas de login e senha, não havia Cristo-nosso-Senhor que me permitisse adentrar o lazarento. Eu fiquei arrasada... Falei comigo mesma: esse negócio de blog gratuito é uma picaretice; sou uma azarada; vida fiadaputa, buá , buá, buá... Não quis mais nem olhar para o traíra do blog (apesar de, às vezes, ainda visitar o mequetrefe e olhá-lo como o mexicano da fronteira que, a menos de alguns metros da tão sonhada terra, não pode colocar nem o chulé naquele lugar). Arre, égua! Passei a utilizar, então, o bordão do mineirinho Igor, que trabalha comigo: "É muita falcatrua!!!", ele diz, para qualquer situação adversa. De fato, era muita falcatrua essa de sumiço de login de blog!
Mas... o tempo passou. E a mágoa serenou. E, por vezes, enquanto lia um livro, assistiu a um filme, ou cutucava o dedão do pé com a tampa da caneta, lembrava-me com doçura do meu blog. Ah, a saudade... Foi então que a minha amiga Rita, depois de me visitar, contou relatos de outros pseudo-bloqueiros como eu que também tiveram essa mesma experiência de sumiço do login. E, por fim, indicou-me esse outro blog (mais seguro, segundo ela) que agora vos envio: giovannatocaia.blogspot.com. Uma chamazinha bloguística voltou a me inquietar e , um belo dia, assim como Scarlet Ohara em "O vento levou" (arrancando o rabanete da terra, enquanto a câmera se afasta), jurei também que não desistiria da minha empreitada... (tá bom, tá bom, não foi tão dramático assim, mas é sempre bom pensar que foi...) O novo blog está um pouquinho diferente no visual, mas não é de todo ruim... Espero vcs por aqui, caríssimos, com novas e fresquíssimas patacoadas. Abç a todos

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Tempo da delicadeza

O livro "O amor nos tempos do cólera", de Gabriel Garcia Marquez, nos conta a história de um casal que se conhece na flor da juventude, é afastado pela família e pelas circunstâncias, mas volta a se encontrar, muitos e muitos anos depois, mais velhos e viúvos. Acompanhamos, comovidos, a emoção daquele sentimento que renasce, tão terno e vívido, entre Fermina Daza e Florentino Ariza. A história é uma das mais belas que eu já li.Eu me lembrei desse livro, lido há mais de 13 anos atrás, quando, dia desses, fui a um casamento de um casal amigo. Ambos separados, com filhos crescidos e já criados, resolveram não só juntar os trapinhos, como se diz por aí, mas se casar de fato, depois de 4 anos de namoro. Ele, com quase 60 anos; ela, chegando aos 50. Um enlace simples e singelo, numa cerimônia breve no cartório, em uma manhã ensolarada de sábado. Ela, de vestido florido e romântico, trazia consigo, além do sorriso, uma sacola com vários bem-casados, para distribuir para nós, as testemunhas, e para o juiz de paz. Ele, todo pimpão no modelito calça social e camisa-chique, mostrava um semblante tranquilo e afetuoso. Eu fiquei emocionada, confesso a vocês, amigos. Não houve nenhum pronunciamento esfuziante por parte do juiz, mas o tempo todo o casal estava numa sintonia tão afinada, que deu uma sensação quente no coração. Coroamos o momento com uma almoço apetitoso no Graça Mineira, durante o qual jogamos conversa fora, rimos, ouvimos planos futuros de viagem... uma tarde que culminou na chuvarada típica de São Paulo nos últimos tempos. Quando cheguei em casa, naquela tarde, busquei o livro na minha pequena biblioteca e encontrei o trecho que eu vinha vasculhando na memória e que cabia tão bem para aquele momento: " Não se sentiam mais como noivos recentes, ao contrário do que o comandante e Zenaida supunham, e menos ainda como amantes tardios (...) Era como se tivessem ido sem rodeios ao grão do amor, para lá das armadilhas da paixão, para lá das troças brutais das ilusões e das miragens dos desenganos: para lá do amor. Pois tinham vivido o suficiente para perceber que o amor era o amor em qualquer tempo e em qualquer parte(...)"Eu sorri quando acabei de ler esse pedacinho e constatei, de verdade, que não existe um tempo exato para o afeto. Na verdade não existe um tempo certo para nada. Só um tempo certo - o da delicadeza - para se acreditar nos próprios sentimentos, nos próprios quereres, nos próprios sonhos. E é isso o que torna a vida surpreendente e encantadora.

Reminiscências 1 - tempo de macacadas

Quando o filme King Kong chegou ao Brasil, eu tinha uns 12 anos (estou falando, é claro, da refilmagem, pois a primeira versão é de 1933...não sou tão véia assim). Todas as crianças da rua ficaram num verdadeiro alvoroço. Nessa época eu morava numa vila de casas em São Caetano do Sul, ABC paulista. Eram uns sobradinhos geminados antigos, numa rua sem saída. A criançada da vila (era assim que chamávamos) se reunia aos domingos para ir ao cinema. Naquela época assistir a um filme era uma pechincha, o equivalente a uma passagem de ônibus urbano, por isso todo santo final de semana rolava um filmezinho, um desenho... O então cine Olido colocou um pôster em tamanho real do King Kong (13m), bem na entrada do cinema, em frente à calçada. A gente passava e entortava o pescoço olhando aquele bichão. No dia da estréia estávamos todos lá, prontos para assistir a película e dar muitos pulos na cadeira. E não parou por aí. Uns meses depois, esse boneco utilizado no filme chegou ao playcenter, em São Paulo, e meu pai e minha mãe nos levaram para ver o dito-cujo. Eu me lembro que senti muito medo ao vê-lo dando urros e arreganhando os dentes. Ainda aproveitando esse "momento símio", fomos a uma outra atração naquele mesmo dia: a monga. Bem, a monga era uma mulher que se transformava, segundo o anúncio do parque, em uma macaca de verdade. Lá fomos nós, então. Uma moça entrou numa gaiola, toda dengosa, e uma música começou a tocar. Um jogo de luzes piscantes deu início a algo que nos deixou estupefatos. A música foi ficando mais alta e, no meio daquele turbilhão de sons, luzes, fumaça e confusão, a moçoila foi se transformando numa macaca. E que macaca porreta. Ela meteu um pontapé na gaiola, que voou longe, começou a se esgoelar e fez que ia pular na gente. Eu saí correndo e fui parar no meio de uma rua do parque, com o coração disparado. O meu pai veio me buscar rindo. Eu voltei a tempo de ver a monga virar a inocente e sonsa mocinha. E, naquela época, nem sequer questionamos a picaretice do número.
Na singeleza de outros tempos, posso dizer que essa foi uma das coisas mais emocionantes que aconteceu comigo na infância. E só de imaginar que momentos como esse eram suficientes para encher o coração da gente de alegria e riso, dá uma nesga de esperança de que possamos ver as coisas com mais leveza e humor nos dias de hoje...ou de que pelo menos não levemos tão a sério, no nosso círculo do dia a dia, as macacadas daqueles que insistem em querer que a gente pague micos, king kongs e mongas fora dos parques de diversão. Brinquemos de ser criança...

Bits com biritas

Dia desses estava lendo um artigo de Luiz Alberto Marinho, na revista Vida Simples, sobre a era digital e, em determinado trecho, ele fez a seguinte referência: " Em 2000, Nicholas Negroponte lançou um livro marcante chamado A vida Digital. Nele, o professor do MIT (Massachussets Institute of Technology) afirmava que no futuro algumas coisas deixariam de existir na forma de átomos e virariam apenas bits". !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!Olha, gente, a primeira coisa que eu pensei quando li isso foi: em que bloco de gelo eu estive dormindo por todos esses anos? Pelamordedeus! Não entendi lhufas disso de átomos virarem bits. E eu que nem sei aproveitar todas as funcionalidades do meu celular mixuruca ainda!!! Não! Isso já é demais para minha cabecinha.... é muita viagem! Sabe que eu invejo esse povo antenado ao máximo em tecnologia! Uma colega aqui do trabalho, a Patrícia, tem as manhas de sair para passear na Rua Santa Ifigênia (meca dos eletrônicos em São Paulo) e vasculhar tudo o que há de ponta para o computador dela e dos amigos. Dispara o nome de tudo quanto é pino e rosca de cada pedaço do equipamento, descrevendo em detalhes as funcionalidades de cada breguete . Que inveja...Quanto a mim, tenho que admitir que prefiro ver sapatinhos, enfeites para a minha pessoa e badulaques diversos em pocilguinhas da moda (eu não sou fã do Bill Gates, mas da Sarah Jessica Parker, ó raios...) Quem é que vai se tornar tecnológica desse jeito?! Francamente... E eu que, quando criança, já me sentia catapultada para o futuro só de trocar os Flintstones pelos Jetsons... Pois agora tenho que encarar esses estranhamentos ao me deparar com artigos desse gênero (e a revista chama-se "Vida Simples", imaginem vocês...)Certa feita, não sei por que cargas d’água, mandaram-me para uma reunião de Informática, aqui no meu trabalho. Eu já gelei na espinha, mas fui, resignada a encarar uma empresa que queria fazer uma demonstração de algum equipamento mirabolante. Resolvi, então, fazer cara de inteligente, de que estava entendendo tudo (coloquei a mão no queixo, olhei fixamente para o meu interlocutor e semicerrei um pouco os olhos). No final, até o meu chefe chegou perto de mim e disse: "não liga, não, Giovanna, muita coisa do que ele falou a gente também não entendeu..." (aí eu vi que a minha cara de inteligente era muito das fajutas...)A verdade, meus caros, é que eu quero entrar numa máquina com poderes inimagináveis e me transformar na super-Giovanna-tecnológica-sabichona-de-hardware-software-e-afins e sair por aí esmerilhando a minha sapiência. "Claro, Nini", eu diria para o Nicholas Negroponte, "átomos não estão com nada, amigo...Os bits agora são o ó-do-borogodó, concordo com a sua pessoa"... e me sentaria (com um sapatinho combinando, claro) para tomar umas biritas com o professor.

O melhor lugar do mundo é aqui e agora

Nas eleições presidenciais de 2006, nós aqui do Tribunal Eleitoral de São Paulo recebemos uma comissão da República Dominicana para acompanhar a apuração do pleito. Como todo o mundo estava muito ocupado, resolveram mandar minha chefe, que por sua vez me escalou para esse trabalhinho maneiro, e lá fui eu firme e forte, disposta a disparar algum "por supuesto" aprendido com a Penélope Cruz nos filmes do Almodóvar . Eu só tinha que recepcioná-los, ser simpática, levá-los para um tour pelo prédio, mostrar a urna eletrônica, essas coisinhas básicas... Quando eles chegaram (uma mulher e dois homens, todos funcionários da embaixada), foram só sorrisos e amabilidades. Eles estavam muito empolgados com a visita e, cada vez que chegávamos em algum departamento e mostrávamos determinado procedimento ou equipamento, era um tal de oh, uh, uia (uia não teve, mas foi parecido...) que dava gosto de ver. A todo momento eles queriam tirar foto e pediam para que eu aparecesse no retrato, como forma de serem gentis. Como eu tenho o senso da noção, dava um sorrisinho sem-graça e me escondia atrás da samambaia. Ao final da visita, na sala de imprensa, conseguimos uma entrevista deles para a Globo e aí foi o ápice. O sujeito que foi entrevistado ficou em êxtase e, na hora da despedida, abraçou-me como se eu fosse uma parente distante muito querida. Figurinhas esses dominicanos..., pensei na época com os meus sempre mal pregados botões.Para quem não sabe, a República Dominicana faz divisa com o Haiti. O livro "A fantástica vida breve de Oscar Wao", do escritor Junot Díaz, ganhador do prêmio Pulitzer pelo livro em 2008, descreve, ao longo do enredo muito bem construído, um pouco do que foi a história daquele país. Segundo Junot, a República Dominicana teve um ditador execrável: Trujillo Molina, que governou o país de 1930 a 1961, com uma brutalidade implacável. Eis como ele o descreve: "mulato corpulento e sádico, com olhos de suíno, clareava a pele com vários produtos, gostava de sapato plataforma e colecionava acessórios masculinos da era napoleônica. (...) chegou a controlar quase todos os aspectos da vida econômica, social, cultural e política do país, por meio de uma mescla poderosa de violência, intimidação, massacre, estupro, cooptação e terror; tratava o país como se fosse uma colônia e ele, o senhor.(...)um personagem tão vil, grotesco e perverso, que poucos historiadores e escritores conseguiram de fato dimensioná-lo".... Ao ler esse livro, não pude deixar de relembrar a tal da visita: o entusiasmo daquelas pessoas em presenciar uma eleição na América Latina que eles consideravam um verdadeiro "show de democracia", segundo as palavras deles. Apesar de sempre estarem em situação melhor do que os vizinhos haitianos mesmo antes da última desgraça que se abateu sobre o Haiti, foi um povo muito sofrido, muito subjugado. Daí a euforia com que eles assistiam a todo o final das eleições no Brasil. Para eles acharem tudo aqui tão maravilhoso e cor-de-rosa é talvez porque ainda estejam pagando pelo ranço de um passado tão cruel.E, apesar de estarmos muito longe do ideal, me deu um certo alívio de morar nesta nossa terrinha-de-meu-Deus; até uma vontadezinha de cantarolar a música do Gil, meio velhusca mas sempre profunda : "o melhor lugar do mundo é aqui.... e agora". Por supuesto.

Aconteceu no Natal

Aconteceu no Natal. Na casa onde o Roberto e eu estávamos, apareceu, perdida pela rua, uma cachorrinha bem velha. Era toda preta, com muitos pelos brancos, os olhos embaçados pela catarata. Andava com dificuldade, como um carro rebaixado que viaja com sobrepeso. Estava como um zumbi, à procura da casa, do dono, de rumo. A Simone e eu a resgatamos e, deixando-a dentro do quintal, demos a ela água e um quibe, que foi a única coisa pela qual ela se interessou. Mas como - pensamos todos nós –o dono abandona uma cachorra velha dessas pelas ruas? Na certa os fiadaputa estão curtindo a praia e desprezaram o bichinho. E me deu, naquele momento, um aperto tão grande no coração, uma sensação de que o mundo não era assim um lugar bom, com pessoas amáveis e justas. Depois de uma noite conosco, o animal recuperou um pouco as forças e passou a andar em volta do quintal da casa, zumbizando novamente, com uma aflição que reconhecemos só em gente. Que saudade do dono, que sanha de encontrá-lo, pensei. Não havia mimo que fizesse a cachorra se desligar daquele comichão, e continuava a perambulação insana. Mas foi à tarde, no dia de Natal, que o inesperado aconteceu. Um carro parou na rua, e uma moça, desesperada, passou a andar de casa em casa, até chegar onde estávamos, perguntando se não tínhamos visto uma bassé preta. Eu respondi prontamente "Está aqui!" e gritei para a Simone, que veio correndo ver o que era. Trouxemos a cachorra e a moça agarrou-se ao animal com força e lágrimas. A cachorra velha ofegava e se retorcia de felicidade, abanando a cauda como um pára-brisa desgovernado. Eu não resisti à cena: chorei também. Num momento de descuido, explicou-nos, haviam deixado o portão aberto; ela tinha saído; já não enxergava bem e não conseguiu encontrar o caminho de casa. A dona voltou a agradecer muito, pegou o bichinho ainda emocionada, ainda não acreditando, e foi embora.Mas, para mim, o acontecido tinha me deixado aturdida, com um significado mais forte do que o aparente alívio de ter encontrado o lar do animal. O gesto me fizera resgatar um sentimento que muitas vezes a gente pensa ter perdido em meio a julgamentos e desesperança: a boa-fé nas pessoas.E naquela noite, todos nós da casa, agora mais risonhos, mais leves e em paz, levantamos um brinde. Era Natal, agora sim.

Abraços não partidos

Assim que pus os pés em Salvador, senti uma baforada quente de 35 graus. Liguei para a Maria Cláudia, que estava no bem-bom de um clube e combinamos de nos ver à noite. Confesso a vocês, amigos, que eu estava bem ansiosa. Quase 20 anos sem ver aquela que foi minha amiga inseparável durante os anos do colegial. Enquanto aguardávamos o ônibus que nos levaria até o nosso hotel, ficamos bisbilhotando uma barraquinha de acarajé. O Roberto pediu um bolinho de estudante, um quitute feito de mandioca, que mais tarde saberíamos pela Cláudia que é conhecido por lá como punheta. Não entra na minha cabeça alguém chegando para a balconista e pedindo uma punheta.
O hotel ficava bem perto do Pelourinho e, apesar de antigo para caramba (até com um certo ar decadente), tinha uma vista privilegiada, nos fundos, para o elevador Lacerda e toda a encosta do mar.Quando eu desci para o hall do hotel para finalmente ver a Cláudia, confesso que estava para lá de emocionada. Mas pegaria meio mal fazer uma cena em frente do marido e do filhinho dela (aliás, a Biló me disse que, se tivesse sido uma menina, iria se chamar Giovanna. Como foi um menino, colocou Giovanni). A verdade, amigos, é que eu segurei para não chorar. Aí dei aquela segurada no diafragma (aulas de yoga servem para isso tb, ora bolas) , respirei fundo e sorri um sorriso meio ensaiado: "oláaaaaa....!!!"O marido dela é muito simpático, falante, sabe muito da história local. O Filho, de olhos muito claros, tem o sotaque baiano, o que o deixa muito charmosinho e cheio de bossa . Ela nos contou "causos" da sua longa estada em Salvador (10 anos) e de que ainda não se acostumou a "viver no estrangeiro". Ela está ótima, muito bonita, com os cabelos bem escuros, o que realça ainda mais seus olhos azuis-bola-de-gude. Também a achei expansiva, risonha, cheia de si. Fiquei muito feliz por encontrá-la assim. Impossível não lembrar dela naquela época falando incessantemente do Charlie (o do Menudo, lembram?). Eita...Depois do jantar, ainda prolongamos o passeio, tomando sorvete. Muito bom ambos: o sorvete e o momento.Na despedida, a gente deu um super abração forte: um abraço de esperança para que nos vejamos em breve, e não daqui a 20 anos.

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

Se você quer ser arrebatado por fortes emoções numa leitura de verão, recomendo que leiam "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios", do Marçal Aquino. Para vocês terem uma idéia, quando acabei de ler o livro (eu estava numa praia), fiquei tão atordoada pelo arrebatamento das personagens, pela narrativa intensa e ágil, pela história de amor descabelada, pelo desfecho completamente paralisante, que caí no choro de emoção. Pode ser exagero, você deve pensar, mas o livro é maravilhoso, e tocante. O amigo que me deu de presente, o Carlos Magno, descreveu o final apoteótico do livro como "um pós-guerra esperançoso". E eu reitero suas palavras. Imperdível. O Marçal Aquino é um puta escritor! Depois desse vai ser difícil encarar "a cabana", de William P. Young, que ganhei no final do ano e estou enrolando para ler. Já coloquei na frente "Tia Júlia e o Escrevinhador" e Pornopopéia" (Vargas Lhosa e Reinaldo Moraes, respectivamente). Mas eu preciso ler até para poder falar mal depois. Ops, explico, amigos: eu tenho muito pé atrás com livros de auto-ajuda. Confesso que fico na angústia para começar um livro como esse, que apresenta 2 quesitos que geralmente me levam a ficar longe de alguns exemplares: figurar na lista dos mais vendidos e ser do gênero de auto-ajuda. E para corroborar com essa minha crença , ainda vi no site "observatório da Imprensa" uma matéria feita pelo jornal Folha de São Paulo sobre esse filão. Em um certo trecho, o próprio Lair Ribeiro (autor de vários livros do gênero) diz que existem muitos aventureiros nesse mercado editorial, e completa:" para ser engenheiro, precisa ter cursado engenharia. Para ser médico, precisa ter feito medicina. Para escrever livro de auto-ajuda, não precisa de nada. Só uma editora". E o que não dizer então sobre a "pérola" comentada na matéria, sobre os tipos de dietas propagados por alguns desse livros, como a dieta de Jesus, em que a pessoa só come os alimentos citados na Bíblia? Claro, caros amigos, que não devemos generalizar nada, que a generalização é sempre perigosa. Mas dá para entender o meu aperreio, não? Arre, égua...

Gracinha, venha para este lado

Um colega do trabalho, um apreciador ferrenho do filme Warriors – o selvagem da noite (fiquem tranquilos, eu tb nunca tinha ouvido falar), insiste em dizer que o filme é um verdadeiro clássico do cinema. Mas eu andei pesquisando e não é que o filme se tornou cult mesmo? Cheio de clichês, foi feito em 1979, e o que chama muito a atenção da película é a tradução dos diálogos para lá de estapafúrdia. Eu acabei vendo um pequeno trecho do filme e, em determinado momento, quando o grupo de rapazes da pesada está no metrô e encontra umas moçoilas não muito bem comportadas por perto, dispara a seguinte frase: "gracinha, venha para este lado!".
Pensem bem, caríssimos, onde é que vocês já viram alguém chegando com o intuito de "fazer a corte" e sair com a pérola: "gracinha, venha para este lado"! Acho que o tradutor estava é com pinga na cabeça quando fez essa versão para o português! Frase mais improvável do mundo...Mas o engraçado é que a frase ficou tão aburda, tão nonsense, tão pafúncia, que agora, quando alguém chega mais bem ajambrado no trabalho, volta e meia um fala para o outro o tal do bordão: "gracinha, venha para este lado".E tudo por conta do Igor, mineirinho da boa cepa que volta e meia aparece com essas invenciones e peraltices...