quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Para viajar na viagem

Para viajar na viagem

Ricardo Freire é um escritor-pluma. Explico: ele escreve sobre viagens. E de uma maneira tão leve e divertida que mesmo que vc não seja afeito às perambulações pelo mundo, acaba rindo à beça das fanfarronices dele. Além de livros, ele tem um site muito bacana que se chama viaje na viagem (coloque no google para ver) que dá dicas preciosas dos lugares por onde já passou. Ricardo Freire é um ex-publicitário (é dele a frase “não é nenhuma Brastemp”) e agora ganha a vida como “turista-profissional”, como se autodefine. Suas dicas não são um guia de viagem clássico. Trata-se, segundo ele, “de reflexões bem-humoradas sobre o direito de ir e vir”.
Pois foi no Ricardo Freire em quem meu husband e eu nos inspiramos em julho para encampar uma viagem para Maranhão e Ceará. Chegamos ao Maranhão pela capital, São Luís, e, depois de uma noite, partimos para Barreirinhas, porta de entrada para os Lençóis Maranhenses (aliás, julho é uma das melhores épocas para se visitar os Lençóis, pois as lagoas entre as dunas estão cheinhas.). Ficamos num hotel chamado Porto Preguiças: bonitão e bem confortável. Como ficaríamos pouco tempo ali, resolvemos tirar o escorpião do bolso (como diz o filósofo Ricardo Freire “numa viagem você acaba gastando aquilo que seus bisavós usariam para reiniciar a vida em outro país”). Às vezes nos damos esses mimos de presente...
No período em que lá estivemos, nos empoleiramos num quatro-por-quatro para chegar aos locais, principalmente às imensas dunas da região. Cenário que parece filme de ficção científica. Nenhum cartão postal ou fotografia de revista havia me preparado para aquilo: lagos cristalinos formados pela água da chuva naquele areião de meu Deus. Depois de um mergulho nessas lagoas, sentir o vento fazendo cosquinha na pele com os grãozinhos de areia era uma sensação incrível.
Dois dias depois, partimos de voadeira para Caburé (ainda no Maranhão), um lugarejo cuja energia elétrica advém de um gerador. Ficamos na pousada Porto Buriti: bem simplesinha, mas muito simpática. Às 10 da noite, o gerador era desligado. O quarto ficava um breu e você tinha que acender um lampião para conseguir tomar banho e escovar a dentadura. Lá fora, ao contrário, um tremendo poste de iluminação natural: a lua cheia.
Queríamos chegar até o Ceará (nosso destino final era Jericoacoara) e acabamos tendo a sorte de ter uma carona até Parnaíba, no Piauí. Renato, o rapaz que nos deu a carona, trabalhava em uma agência cujo nome não me recordo agora, mas, segundo ele, era para “pessoas seletas” e que “viajavam com estilo”. Para bom entendedor: cheias da bufunfa. Olha só a tarefa dele: passar antes em todos os lugares que os clientes iriam ficar e trocar os lençóis por roupas de cama de fio egípcio, redecorar o quarto (até cortina ele trocava), colocar taças de cristal e outras cositas màs (fiquei pensando que diferença fazia o diacho do fio egípcio e da taça de cristal naquele fim de mundo...). Ah, outro fato curioso: ele trazia de São Paulo um chef de cozinha. Não queria expor a clientela ao “risco” da cozinha local. Ele nos contou que tinha preparado, para um de seus clientes, um super jantar nas dunas. Sua equipe tinha fincado umas mesas, no começo da noite, nas dunas, disposto os pratos e taças conforme manda o figurino e então servido o rega-bofe. Olha, eu não sei vocês, amigos, mas eu achei o fino do brega comer camarão empanada na areia (lá venta para caramba!). A finesse tem seus mistérios...
Foi engraçado, porque logo que chegamos em Jericoacora, eu abri uma revista na pousada e encontrei uma reportagem do famigerado Ricardo Freire. E ele dizia mais ou menos o seguinte: quanto mais você gasta para estar num lugar, menos você se aproxima dele. Imaginei aqueles turistas comendo a comida do chef, privados de experimentar a famosa pescada amarela preparada habilmente pelos cozinheiros locais. Estando em Jericoacoara, por exemplo, comemos peixe com pirão maravilhados no restaurante da região, o Carcará, por R$ 16 mangos. Segundo ainda o mestre Freire “ Experimentar a culinária da região é como comer o lugar que você está visitando. A comida e bebida revelam mais sobre a alma de um lugar do que tudo o que você possa absorver com os outros sentidos”. É isso aí, Ricardão!
Viajar exige um desprendimento incrível, uma maleabilidade para se adaptar às diversas situações, experimentar, conversar com os locais, bater perna. Sentir todos os gostos, ver todos os rostos. Arriscar-se, enfim. Olhar o céu (azul ou cinzento) e dizer, à moda caipira: ô mundão, caba não que é bão...