terça-feira, 9 de novembro de 2010

clog no blog

Dia desses estava eu passando em frente a uma loja e me deparei com um sapato que me chamou a atenção na vitrine. Tratava-se de um tamanco que me remeteu aos idos anos 70, porque me lembro de ter visto a minha mãe usando um daqueles nessa época. Chegando em casa, fui pesquisar um pouco sobre essa moda. Feitos, à princípio, de madeira, com bico pontudo virado para cima, ficaram conhecidos como tamancos holandeses, mas na verdade foram usados por quase todos os camponeses europeus desde o séc. XVIII. Na década de 70, a onda desses tamancos invadiu o mundo dos hippies e fotos da época mostram alguns cabeludos desfilando o tamanco. Vi uma foto do grupo musical ABBA, em que um dos integrantes (um daqueles moços com cabelos escorridos) pendia do pé um modelo desses, combinando com a sua boca de sino. Agora, no Brasil, os tamancos voltam com o nome em inglês: clog.
Fiquei pensando em como é engraçado esse vai-e-vem da moda ou de como ela começa e depois toma um rumo todo próprio. O livro 1808, que conta a história da fuga da família real portuguesa para o Brasil, descreve como foi o momento em que a cambada toda chegou por aqui e de como fomos influenciados pela “moda” das portuguesas: : “Carlota, as filhas princesas e outras damas da corte tinham desembarcado com as cabeças raspadas ou cabelos curtos, protegidas por turbantes, devido à infestação de piolhos que havia assolado os navios durante a viagem. Tobias Monteiro conta que, ao ver as princesas assim cobertas, as mulheres do Rio de Janeiro tiveram uma reação surpreendente. Acharam que aquela seria a última moda na Europa. Dentro de pouco tempo, quase todas elas passaram a cortar os cabelos e a usar turbantes para imitar as nobres portuguesas”.
Como se vê, assim nasceu uma moda que até hoje volta e meia está pelas ruas. Quanto a mim, também já usei lenços, mas foi pelo mesmo motivo do das portuguesas. Peguei piolhos na escola e minha mãe, aceitando a sugestão de minha tia-avó, fez um preparado de pinga com pimenta do reino para eliminar os invasores. Eu ficava no quintal de casa, tomando sol na moleira, com aquele coquetel bombástico e um lenço colorido enrolado na cabeça. Acho que os piolhos morriam não por causa das propriedades medicinais da pinga e da pimenta do reino, mas pela caatinga insuportável daquela mistureba insólita.
Houve um episódio ainda em que pude verificar como fui influenciada não pelo uso de algo, mas sim por seu desuso. Eu estava viajando numas férias por alguns albergues da juventude, nos anos 90, e, quando cheguei em Alcobaça, no sul da Bahia, por lá fiquei durante uns 15 dias. Fiz amizade com alguns mineiros, cariocas, os próprios baianos, além dos conterrâneos paulistas, esses últimos os únicos que, como eu, gostavam de viajar sozinhos. Quando a gente ia se arrumar à noite para sair, percebi que as colegas não colocavam sandálias ou chinelos, passando a imitar os locais. Iam descalças para o vilarejo onde estavam os restaurantes ou lanchonetes. Fiquei observando aquele desprendimento e, tomada pelo sentimento da maria-vai-com-as-outras, no segundo dia já andava descalça por todos os cantos. É claro que, no começo, perdia a tampa do dedão nas pedras e voltava meio que mancando para casa. Depois peguei as manhas, passando a andar com os dedos meio que levantados, à moda do sapato do Aladim, de modo que os poupava de choques iminentes. À princípio qualquer areiazinha os machucava, mas com o passar do tempo o pé foi criando, digamos assim, uma camada natural de proteção, de forma que, no final da férias, estavam mais parecidos com o pé do jacaré. Chegava todas as noites da rua, lavava-os no tanque do albergue e ia dormir. No outro dia, lá estava eu caminhando e cantando livremente. Quando voltei para São Paulo, confesso que foi duro me acostumar novamente ao uso de sapatos, principalmente os fechados.
Já na década de 80, uma das épocas mais pródigas das combinações ridículas, eu me lembro que enchi as paciências de minha mãe para que ela comprasse para mim não um par de sapatos, mas uma jaqueta. E detalhe: era prateada. Não é preciso dizer que se tratava da coisa mais espalhafatosa desse mundo, mas eu desfilava aquela desgraceira para cima e para baixo toda felizona. Para completar o visual, como minha mãe se negou a me dar uma calça de couro, comprei uma de napa, preta, estilo Madona-dos-trópicos. Eu era super magricela na época, de modo que parecia uma minhoca roqueira meio fosforescente com aquela jaqueta. Ah... as ciladas da moda...
É muito engraçado observar esse movimento da moda: as coisas ridículas que já usamos; as pessoas em quem nos inspiramos para nos sentir pertencentes a um grupo (a adolescência é um verdadeiro inferno nesse sentido!); as coisas das quais desencanamos.
E, quando eu parecia totalmente infensa a qualquer influência, ao passar novamente pela loja, me vi entrando e pedindo para experimentar o tal do clog. Olhei no espelho e lá estava eu: me imaginei como uma camponesa europeia, arrancando as batatas do campo com o meu tamanco cor de uva... ou então uma hippie com a cabeleira sebenta fazendo um bongô ou uma pulseirinha... Puxa...legalzinho esse clog, heim....
Neste momento que escrevo, olho agora para eles e constato orgulhosa que estou usando mais de 3 séculos de história nos pés.
E constato também que essa foi a desculpa mais esfarrapada que eu já encontrei na vida para comprar um sapatinho novo....