segunda-feira, 28 de junho de 2010

Morte morrida

Dia desses uma amiga aqui do trabalho, a Suzy, veio me contar sobre a morte de uma parente próxima. Ela estava bastante abalada, pois se tratava de uma pessoa muito querida e ainda bastante moça, que um dia eu cheguei a conhecer. Foi numa festa de aniversário, me lembro bem: do tipo mignonzinho, risonha, os olhos verdes grandes destacando-se na pele branquinha, num rosto de boneca, aparentando menos que sua idade, uns 30 anos. Já nessa época eu ficara sabendo da doença sorrateira e de sua luta diária. Segundo a Suzy, ela partiu numa tarde de domingo, deixando no céu um enorme arco-íris que se formou no improvável firmamento de São Paulo.
Fiquei por vários dias pensando nisso, inquieta, arredia...A morte. Alguém, afinal, está preparado para enfrentá-la? Eu sempre a temi, de verdade, pois acredito ser um erro encará-la de forma ingênua ou complacente. E tenho procurado, desde sempre, não pensar nela, o que é uma infantilidade da minha parte. Mas refletir sobre a finitude das coisas é inevitável. Vejo, por exemplo, o meu cachorrinho Joselito, que já está ficando véinho: mais lento, mais dodói para tudo, cheio de manias. Sou obrigada a reconhecer os primeiros sinais de sua decrepitude.
Lembrei-me então que, dia desses, vi um site na internet onde, com base em algumas informações (questionáveis???), você conseguia a provável data de sua morte (www.deathclock.com). Aí eu pensei com os meus botões (mal-pregados, always...): e será o benedito que essa informação me torna mais sábia ou mais serena para a hora em que eu bater com as botinas?
Não, provavelmente não.

Fui, então, em busca de um livro que está na minha estante, mas que eu nunca tive coragem de ler: “O livro tibetano do viver e do morrer”, que é, na verdade, uma edição bem mais azeitada do original “O livro tibetano dos mortos”. Logo de cara, já encontrei os seguintes dizeres do mestre tibetano Sogyal Rimpoche: “Quando vim pela primeira vez ao Ocidente, fiquei chocado com o contraste entre as atitudes em relação à morte (...) Apesar de todas as suas conquistas tecnológicas, a sociedade ocidental moderna não tem uma compreensão real da morte (...) Aprendi que as pessoas hoje são ensinadas a negar a morte e a crer que ela nada significa, a não ser aniquilação e perda. Isso quer dizer que a maior parte do mundo vive negando-a ou aterrorizada por ela. Até falar da morte é considerado mórbido, e muitos acham que fazer uma simples menção a ela pode atraí-la sobre si”. E diz, um pouco mais à frente: “Para começar a tirar da morte seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar a morte da sua estranheza, vamos frequentá-la, acostumarmo-nos a ela”.

O livro é um tijolão de grossura e eu ainda estou na metade. Você tem que lê-lo calmamente, sorvendo cada ensinamento, prestando atenção, questionando-se o tempo todo, pois ele nos lembra a cada momento de nossa impermanência, de nossa transitoriedade. Diz que somos apenas viajantes (não é maneiro pensar na gente com um mochilinha nas costas?) e que, se estivermos preparados, há uma enorme esperança, tanto na vida quanto na morte.
E, quem sabe, ainda poderemos ser agraciados, no final das contas, com um arco-íris no céu...