quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Um dia de fúria

Dia desses, por motivos que nem valem a pena ser citados, acabei por brigar com um bocado de gente que trabalha comigo. Eu fiquei tão colérica que sequer me lembro do que disse no momento. Mas tenho a ligeira impressão de que as pessoas se assustaram comigo, como se estivessem vendo a continuação do filme “Carrie, a estranha”.
E, depois que os meus olhos voltaram a ficar normais (sim, porque deveriam estar esbugalhados), meu coração desacelerou e eu parei de cuspir e babar , sumi de cena, como o David Banner (personagem de “o incrível Hulk”) que cata os resquícios da sua camisa nova e sai como um raio por entre a moita. Cena pitoresca, se fosse apenas mais um episódio do famoso seriado de Tv. Mas não era...

Depois de dias caraminholando sobre esse fato, revisitei o livro “Pequeno tratado das grandes virtudes”. E andei lendo sobre 3 virtudes em especial: a polidez, a tolerância e a doçura.
Não fiquei muito satisfeita com a polidez, posto que se trata, segundo o autor, apenas de virtude “puramente formal, virtude de etiqueta;a aparência de uma virtude". Tudo bem, tem lá o seu valor, mas é meio chumbreguinha, venhamos e convenhamos. Não é isso o que eu buscava.
Como os três porquinhos, deixei a casa de palha e fui procurar abrigo na de madeira, desta vez o da tolerância. Mas também não obtive guarida. A palavra “tolerância” carrega em si um peso, sei lá. Como se quem a praticasse fosse superior. Quando você tolera alguém, é como se dissesse: “eu te aturo, seu traste!”. E o livro confirma isso quando diz: “tolerar não é o máximo, é um mínimo. Se a palavra tolerância se impôs, é sem dúvida, porque de amor ou de respeito todos se sentem muito pouco capazes”. Não, tolerância também não era o que eu buscava...
Fui ter então com a doçura. Lá encontrei o seguinte: “a doçura é força em estado de paz, cheia de paciência e mansuetude.A doçura submete-se ao real, à vida, ao devir: virtude de flexibilidade, de paciência, de adaptabilidade”. Bonito, não... quase divino. Faz a gente pensar... e sonhar. Sonhar em ter uma doçura espontânea; uma "bondade natural" de que apenas poucos são realmente capazes. Como somos demasiadamente humanos, podemos talvez nos refugiar na gentileza, que não está arrolada no livro como virtude, mas que não deixa de ser uma baita qualidade. Quantas discussões, quantas explosões poderiam ser evitadas se, na incapacidade de sermos doces, pudéssemos ao menos ser gentis...
E como não posso fugir como o Hulk do meu "dia de fúria", resta-me encarar a realidade e os que me cercam na doçura dos versos de Drummond:
“Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”