quinta-feira, 26 de agosto de 2010

tempinho bão

Não me lembro, em toda a minha infância, de ter tido muitos brinquedos. Aliás, eram outros tempos e nenhuma criança, naquela época, se refestelava em fartura e mimos. Quando eu tinha 7 anos, entretanto, acho que caiu um raio na cabeça de minha mãe, que resolveu ser mais mão aberta naquele Natal. Ela mandou o vizinho, um artesão para lá de talentoso, construir uma casa de bonecas feita de madeira. De dois andares (e ainda com um terraço onde estavam instalados varais e uma casinha de cachorro em miniatura), o sobradão permitia que a gente manipulasse o que estava dentro dos cômodos da casa, como aquelas que a gente vê em filmes. Caprichoso, o até então desconhecido artista ainda confeccionou alguns móveis para o quarto e sala (tinha até uma televisãozinha, onde ele recortou um pedaço de gibi e colou na telinha, como se estivesse passando um desenho animado). A mulher desse talento, uma senhorinha muito prendada, fez cortininhas de crochê para todas as janelas. A casa foi pintada de azul e as janelas, de branco. Desacostumada, no Natal, com mesuras e salamaleques próprios da época, foi com estupefação e quase um torpor que eu vi aquele bitelo chegar porta adentro. Na sua sanha natalina, minha mãe ainda comprou, para meu irmão, um mini jardim zoológico, um brinquedão composto de vários cercados onde toda a sorte de animais em miniatura se aboletava. E, por dias, brincamos sorridentes, empanturrados na nossa felicidade e regozijo. Nessa época meu irmão e eu éramos um verdadeiro flagelo. Empreendíamos brigas homéricas um com o outro e, só para citar, numa das vezes atracamo-nos com tal intensidade, que a moça que cuidava da gente, para nos separar, usou o cabo da vassoura para que nos soltássemos. Invariavelmente, toda brincadeira acabava em bofetões, mas, como tínhamos memória de passarinho, logo começávamos tudo de novo. Acostumados com essa dinâmica de rinha, nos vimos logo enfadados brincando cada qual com o seu brinquedo. Lançávamos olhos compridos para o brinquedo do outro e, por fim, rendidos pela curiosidade, nos esquecemos dos protocolos de brinquedo de menino/menina. Decidimos subverter tudo: tiramos os móveis da casa e os colocamos no zoológico; pegamos cada um dos animais e os acomodamos na casa. E daquele dia em diante, sempre brincando e brigando, fizemos daquele trambolho um objeto voador cujo capitão era o macaco.
Bem, não é preciso dizer que a casa de madeira, em menos de seis meses, já tinha se desmilinguido. Alguns animais do zoo, largados pelo quintal, foram roídos pelo cachorro, sobrando só cotocos disformes. Os móveis da nossa pequena mansão, ao virarem parte da “nave espacial”, foram também para o beleléu.
E minha mãe(ah... minha mãe), olhava para as suas crias tão sem modos e certamente pensava “pérolas aos porcos”, e nunca mais nos deu mais nada...
Mas, quem se importava? Nós tínhamos nossos golpes aprendidos na série “Ultraseven” para dar um no outro, um cão pulguento e roedor, um montão de idéias na cachola e, de quebra, um modelito supimpa para saracutear de vez em quando: “japona” e "conga” nos pés.
Tempinho bão.... Eu tenho saudade. E você?