segunda-feira, 4 de abril de 2011

sexta-feira 13

Tudo aconteceu numa sexta-feira. As tão esperadas sextas-feiras...
Noite bonita, quente, doce sexta-feira. Você já fica mais relax, deixa para pensar nos problemas só na segundona. Na saída do trabalho, não guardei, como de costume, a bolsa no porta-malas. Deixei-a no chão do carro, do lado do passageiro. Tremendo vacilo...
As ruas estavam apinhadas, mesmo para as 8 horas da noite. E aí, num farol muvucado, o meliante surgiu. Um vulto perto do carro, uma assombração. Estourou o vidro e, como o homem-mola do seriado “Os impossíveis”, surrupiou a bolsa. Eu nem consegui ver a cara do mequetrefe. O barulho, o tremendo susto, os vidros se estilhaçando. Não deu tempo de reagir, nem de gritar. Não havia o que fazer: lá se fora minha bolsinha querida com meus documentos. Chegando em casa, depois de alguns telefonemas, fui providenciar o boletim de ocorrência na delegacia. Cheguei por volta das 23h. O ar da delegacia era gélido como queda de pressão. O escrivão se inteirou do meu caso. Riu (isso mesmo: riu) quando soube do acontecido. Já era o quarto roubo do mesmo jeito naquela noite. Mandou-me esperar numa sala; havia casos mais importantes na frente. Sentei-me no sofá desconfortável. E foi então que vi o sujeito. No outro lado do recinto, olhar arregalado, jeito esbaforido, um homem de meia idade olhou para mim: “moça, a casa de um homem é sagrada”. Ah, sim, fiz com a cabeça. Pensei: xiiii, um maluco... e olhei para o chão, disfarçando.Mas ele prosseguiu “a casa de um homem é sagrada. Cheguei em casa. Minha esposa foi para o banho. Bateram na porta. Perguntei quem era. Pensei ser um vizinho. Moro num predinho de 3 andares, sabe. Foi aí que ele entrou. Me empurrou e eu caí no chão. `vai passando o dinheiro aí; jóias também`. Eu fiquei com medo pela minha mulher. Já disse que ela estava no banho, não disse? Do chão, consegui ver que ele não tinha uma arma de fogo. Era um cabo com uma espécie de faca na ponta. Reagi. Peguei-o pela perna. Lutamos. Voou cadeira para todos os lados. Era soco, chute, cotovelada. Durou uns dez minutos a pancadaria. Dez minutos! Sabe o que é brigar por dez minutos, moça? Estou todo dolorido”. Apontou com o dedo as partes do corpo que doíam. “não sei como estou vivo; ele tinha uns 25 anos; eu tenho 45. Dez minutos, moça!”
Eu ouvia a história paralisada, mal respirava. Perguntei o que acontecera então. “Minha esposa saiu correndo do banheiro, abriu a porta da frente e fugiu, desesperada. O bandido aproveitou e correu também. Mas a porta do prédio estava fechada. Corri para o quarto. Sabe, moça, eu tenho uma pistola; era do meu pai. Deu tempo de dar uns dois tiros perto dele. Não acertei o desinfeliz porque eu não quis, moça, tenho a índole boa. Algum vizinho destravou a porta da frente do prédio e ele fugiu. A polícia chegou minutos depois. Pode uma coisa dessas? Dentro da minha casa!?"
Olhávamos assustados um para o outro, quando fomos ambos chamados para relatarmos nossos casos. Ele ficou na sala contígua ao local onde eu estava e de lá pude escutar que havia mais dois homens, investigadores talvez, inquirindo o sujeito: “e onde foi que o senhor arrumou essa arma? Sabia que ela não está registrada? Já ouviu falar no estatuto do desarmamento?”. Vi o homem ir se transformando de vítima a algoz.
Neste momento, imaginei-me numa situação semelhante...
“E a senhora aí, como é que foi reagir dessa forma ao assalto?”
“mas, mas,mas... foi um impulso. Assim que o menino puxou minha bolsa, eu peguei minha marmita vegetariana e sentei-lhe na testa!”
“pois essa marmita deixou o menino entre a vida e a morte, minha senhora. Já ouviu falar no estatuto da criança e do adolescente? Ô, Oliveira, algeme a magricela!”
Nesse momento, o escrivão me chamou a atenção: “a senhora está me ouvindo? Por favor, relate o que havia dentro da bolsa.”
O escrivão percebeu meu interesse na história que acontecia ao lado. “É... porte de arma é crime inafiançável...”
Na saída da delegacia, vi o homem sendo algemado. Seus olhos se mexiam, desencontrados, a boca retorcida: “a casa de um homem é sagrada... é sagrada”. E lá se foi ele, pelos corredores lúgubres, como quem desce para o inferno.
Entrei no carro. Os vidros ainda quebrados. Por via das dúvidas, assim que cheguei em casa, levei embora a minha marmita...