quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Vai um abraço aí?

Dia desses fui assistir a um filme pará lá de interessante: “O abraço corporativo”. Trata-se de um documentário onde um pseudoconsultor de RH (na verdade um ator) divulga o “abraço corporativo”, movimento segundo o qual é possível combater a inércia dos tempos modernos com um abraçozinho no seu colega, ajudando a criar um ambiente mais amistoso (e produtivo) dentro das empresas. Esse personagem fictício, na pele de Ary Itnem (“mentira”, se vc ler o nome de trás para a frente), dizia ser o
porta-voz da “Confraria Britânica do Abraço Corporativo”. E o consultor caiu no gosto da imprensa: saiu em jornais, revistas, portais da Internet e programas de TV. Mas tudo não passava de um engodo. E o diretor do filme, o jornalista Ricardo Kauffman, que documentou cada passo do charlatão criado por ele , desnudou a fragilidade da nossa imprensa, que promoveu o embusteiro, sem nunca questionar de onde viera a criatura.
Pois é, pessoal, eu fiquei com esse filme na cachola e não pude deixar de compará-lo com um episódio que aconteceu aqui no TRE.
Eu trabalhava em Recursos Humanos e fui sorteada para participar de
um curso de técnicas de comunicação juntamente com um pessoal de outra área que havia solicitado a contratação do curso. Sobrara uma vaga e eu, que nunca ganhara nem garrafa térmica em rifa de quermesse, fiquei toda alegrinha com o meu prêmio.
Na semana seguinte, lá fui eu para o curso, num prédio chique na avenida Paulista.
E o negócio começou estranho... O professor, num terno ajambradíssimo, sabendo que éramos todos funcionários públicos, já foi nos tratando como barnabés. Falou das empresas que eram suas clientes (todas muito pomposas) e começou uma aula mais chumbrega que eu já vira: o compêndio de todas as frases feitas e clichês do Lair Ribeiro. E terminou a aula colocando uma musiquinha para “amolecer nossos coraçõezinhos”, numa tentativa de dinâmica de grupo que me fez lembrar algum programa dos Alcoólatras Anônimos. No primeiro dia todo o mundo ficou meio quieto, sem jeito, sem entender no que aquilo ia dar. O grupo que fazia o curso era bem bacana, com boa formação cultural, que obviamente estava se sentindo ridículo com aquela esparrela. Pois bem: no segundo dia não aguentamos e explicamos que o curso não vinha ao encontro do que buscávamos; que pretendíamos outros tipos de técnicas para o nosso trabalho. Em resumo era o seguinte: “olha, santa, tira o seu cavalinho da chuva que essa aulinha mequetrefe não está colando!”
E daí por diante foi um imbróglio que nem vale a pena ser contado. Só posso dizer que o instrutor teve que ser substituído e as tais “técnicas de comunicação” ficaram restritas a algumas filmagens da gente em frente a um púlpito, simulando uma apresentação em público.
Não pude deixar de comparar o Ary Itnem com aquele palestrante fajuto, que também vendia um pacote com ideias para lá de inconsistentes e tontas. Por causa de uma super estrutura num prédio em São Paulo, com coffee breaks regados a acepipes diversos e suquinhos naturais, tudo tinha uma aparência altamente vendável. E o mais engraçado é que houve um momento em que o sujeito também mandou que a gente se abraçasse, como se nos dissesse: o que falta em vocês é Jesus no coração, minha gente...
É... e minha “sorte grande” virou esse mico gigantesco...
Muito tempo depois desse fato, vi, um dia, um anúncio de um curso para não atores na escola de teatro Macunaíma. Matriculei-me e fui ver no que ia dar. E foi uma das experiências mais ricas que tive. Lá, sem a menor pretensão, fazendo micagens e rindo para caramba, na inventividade de situações insólitas, eu me vi mais próxima das “técnicas de comunicação” do que qualquer outra coisa que já fizera. Não havia suquinhos, nem salamaleques, nem prédio chique, nem gente importante.
De vez em quando até rolava um abraço: um abraço de mentirinha, dependendo da cena que o grupo montava. Um abraço muito mais espontâneo, brincante e, por isso mesmo, mais verdadeiro.