sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Quero ser o Dr. House

Você é aquele tipo de pessoa que consegue caminhar tranquilamente pela cidade, elegante e atento? Quando te chamam, você não se assusta feito um criminoso, mas atende o chamado placidamente e olha para trás para ver quem te chamou, jogando os cabelos lentamente, como numa propaganda de shampoo? Pois é, amigos. Certamente você não é, então, um distraído de carteirinha. Anos atrás, por exemplo, na minha mania de andar apressadamente mas com a cabeça na lua, ao desviar de uma pequena multidão de pessoas na praça da Sé, caí num buraco da prefeitura que estava em manutenção. Não, não foi grave. Foi só vexatório. Os trabalhadores, que estavam almoçando perto dali, largaram as marmitas e vieram me puxar do “abismo” (fiquei até o meio do joelho numa terra vermelha e meio fedorenta). Por que eu não vi o buraco? Ora, porque estava pensando na morte da bezerra! É isso que dá ser distraído: você paga proporcionalmente o preço do ridículo.
E a coisa não fica por aí. Cansada de esquecer sempre o lugar onde estaciono o carro em shoppings, decidi não dar moleza para a minha distração. Saí, um dia, do veículo, vi que parara na rua “H” e fui mentalmente guardando o mantra: rua “H” de Hilário, Hortênsia, Hortolino. Na hora de ir embora, percebi então que o “H” decorado não era a letra da rua, mas o indicativo de “Hidrante”. Chamei aquele moço da moto que fica procurando o carro dos tontos e, para disfarçar, fiz um arremedo de sotaque do sul: “barbaridade! Mas esses shoppings de vocês, paulistas, são grandes demais!”.
E quando alguém me chama e estou distraída, então? Dou cada pulo que assusto até quem quer falar comigo...É duro ser avoada.

Pois é, já estava me sentindo desacorçoada quando, dia desses, li na Folha de São Paulo um artigo que dizia: “Pessoas distraídas são mais criativas que as concentradas”.

Me interessei na hora!

O artigo dizia que “trabalhos recentes têm demonstrado que a distração está vinculada à criatividade, especialmente na hora de resolver problemas complexos (....). A prática de dar um tempo costuma trazer a resposta para um problema, como mágica”.

Aí eu me animei ainda mais na matéria, que prosseguia: “É só assistir ao seriado House para entender como isso funciona. O médico Gregory House e sua equipe são escalados para diagnosticar e tratar apenas os casos mais cabeludos (...) Eles passam três quartos do programa raciocinando logicamente sobre sintomas, tratamentos e doenças. Mas só no fim do episódio, quando House se distrai, uma resposta clica no seu cérebro”.

Tcharãm..... não é legal, meu povo?!!!

É claro que em algum ponto da matéria foi dito que distração em excesso combinava com esquizofrenia. “O cérebro dos esquizofrênicos e dos criativos têm um sistema semelhante do neurotransmissor dopamina”, alertava o texto.

Mas essa parte eu decidi ignorar....

Pois é... aí eu fiquei pensando.... e os poetas, por exemplo? São distraídos? Não, não, não.... Essa palavra é muito comezinha para se aplicar a eles. Na verdade, o poeta está sempre em estado de “devaneio”, o que é muuuuuuuuuito diferente, entenderam?
No livro “A poética do devaneio”, Gaston Bachelard conta sobre Victor Hugo:

“Victor Hugo saíra ao crepúsculo(...) A noite chega, a cidade se cala, onde está a cidade? Aquilo não era nem uma cidade, nem uma igreja, nem sombra, nem nada: era devaneio. ‘Fiquei imóvel por muito tempo, deixando-me penetrar suavemente por esse conjunto inexprimível, pela serenidade, pela melancolia da hora(...) não sei o que se passava no meu espírito...’”

Está vendo? Victor Hugo estava como? Nada mais, nada menos que .... distraído, ou, usando uma palavra mais charmosa: devaneando....

Portanto, de agora em diante não vou mais me sentir um paninho de chão quando for criticada por ser distraída. Vou sair com a máxima do Dr. House sobre a criatividade (embora os meus insights sejam muito furrecas...) ou, então, dizer: caríssimos, não estou distraída, ora pois.... estou devaneando. E voltarei meus pensamentos para as nuvens, onde eles costumam caraminholar soltinhos.

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